Na animalidade
que nos habita, existe um furor que desafia a letargia. Somos jovens, não
daquela juventude transviada (AINDA QUE A MULTIDÃO QUEER NOS REPRESENTE). Somos
as caçulas de uma multidão. Ema diz, estrou a trocar meus dentes, então
desconfie das minhas banguelices. Babe está cagando e andando para tudo isso,
foi ouvido treinado em Cazuza. São duas jovens pessoas. Em constante conflito
com outras gerações. No karaokê que nos convidaram, perto de casa, coisa de
bairro, fomos juntas. Alegres e infelizes. Sem fala, com voz, nos fizemos
presentes, entoando as músicas que antes eram máquinas de guerra. Chico,
Mutantes, Jorge, Caetano, quando o nome era Gal. Não sei de vocês que se dizem
humanos, mas na nossa carga genética, por mais que Ferreira Gullar, depois de
tão belas poesias, disse que nós bichos não temos memória, quiça ele, a
histórica, carregamos em cada pelo ou nos próprios ossos uma memória que
poderia ser ancestral, se não tivéssemos sido domesticados. Somos docilizadas,
é só ouvir um EPA, que paramos e escutamos. Não necessariamente obedecemos.
Fomos historicamente treinadas para servir. Balançar o rabo, a raba, latir em
uníssono quando assim for propício, comer, dormir e lamber. Mas no nosso lugar
de PESSOA, vejo no outro (essa figura pode ler como universal), latidos sem
fim, fins sem latidos. Não reconhecemos na nossa espécie essa lataria sem nada
dizer. E assim estamos a perscrutar e a responder a todos aqueles que não
reconhecemos como outros de nós, a vociferar falas feitas, como a pior das
cantadas. Que nos perdoem os vizinhos, ou que se fodam todos eles. Que se fodam
os fardados que invadem com seus fuzis as reuniões de professores, somos filhas
delas. Que se fodam os ministros que cogitam sermos todos uteis imbecis, que
cachorras como somos, não reconhecem o gaguejar dos papagaios. Que se fodam
aqueles que negociam, feito armas, a nossa democracia. Que se fodam aqueles e
aquelas que encontramos no nosso petshop, dizendo amém ao herói que vai usurpar
a nação. Que se foda esse tempo distópico, nem a nós nos pertencia, nos
colocaram numa vertigem, que do presente que comemos nossa ração, ela já virou
futuro de merda, saí como tempo sólido, nada liquido, enquanto que no passado
enterramos nossos vermes, ou deixamos para outros fazerem. Esses sim, fazem com
maestria, sem sentir cheiro ou fedor, porque ignoram. Nessa conversa, feita na
imagem mostrada, abrimos mão da igreja, de deus e do diabo, para poder dizer,
quem quer foder somos nós, que vocês, que a tudo são responsáveis, como disse
uma amiga, só lhes restam um catimbó feminista: QUE VOCÊS NUNCA FODAM NA VIDA.
Porque a nossa resistência é o deleite, é o prazer, é morder a orelha uma da
outra, é fazer roçadinho, é ser tríbade na vida, é compartilhar sorrisos,
microfones, drinks e outras coisinhas mais. É SER FELIZ. Isso nunca há de ser
capturado, pois é fluxo, de pernas entre pernas, de patas nas patas, de lambe
lambe, de furores e ardores. Do reconhecimento de nossa diferença, de nossa
animalidade, de nossos muitos. Enquanto vocês são um só, uma horda, feita de
ódio, feita de escroto-esgoto, feita... como são feitas as coisas mais banais,
daquelas com pés, cabeças, máscaras e sussurros. VOCES SÃO A METÁFORA MAIS
ÓBVIA DO TWD: OS SUSSURADORES. E nós, cadelas, que somos, não sussurramos, mais
latimos, em manada, a nossa própria potência-singularidade: CACHORRAS E CÃES DO
MUNDO TUDO, UNIVO-NOS. SEJAMOS TODAS PESSOAS.