- Teresinha, você já deu de comer a uma banana?
- Como assim?
- Teresinha, você já deu de comer a uma banana?
- Como assim?
Um dia terei um barquinho próprio, como um cantinho colorido, bem arco-íris. Nesse dia, já terei uma remuneração como os nossos pais, daqueles dos outroras, quando meu lugar era do fora da fome, e vou poder passar uns 20 anos pagando, de pouco a pouco, o programa do barco para chamar de meu e seu. E não terei medo, o sol cozinhará meu almoço, minha irmã estará lá, minha mãe, minhas amigas, com a bancada aparecida toda farta para todos, porque sei que o mar, todo amar em sua empatia para os todos, molhará o chão do barco com a sua fartura toda. Teremos peixe, algas, mariscos, de todas as coisas tão parecidas. Nele sei que cantaremos juntos, que alguém pegará um violão, outro um ukulele, outro um bongo, mais alguém um triângulo... quem souber tocar, nos tocaremos, quem não souber, recitará algo de seu, ainda que feito por outro ou por si. Assim, teremos a vida do lado bom também. Nunca mais precisarei, eu ou outra de mim, atravessar as areias da praia, porque estarei nos braços já de Iemanjá, não mais com um saco de lixo recolhendo e me dizendo sorte, encontrei latas para trocar por 7 reais, quando precisaria de um cento e vinte para um gás, pois ainda não tenho meu barco, tendo filhas me esperando na casa para um cozido, quando o próprio sol cozinha muito mais. Cabeça quente, o lenço já não protege. Assim, hoje, apenas, hoje, levarei para casa o que consegui para o botijão e a imagem daquele barquinho, verde, branco, azul, vermelho, com que sonho que seja o meu próprio, dos dentros dos arco-íris. Meus olhos não serão mais marejados, apenas mareados e assim, meu saco de latas, será a botija dos meus dias.
Ela, todo dia,
tinha que acordar ainda com o céu escuro. Nos finais de semana, quando não dava
plantão, isso não a incomodava, mas estava cansada de ter que acordar, arrumar
o rosto e os cabelos, pegar um dos manequins que tanto lutava para poder manter,
porque senão a despedida desse ritual era a do seu trabalho. Engolia seis dedos
do café já feito ontem para não perder do seu cotidiano a carona da empresa. E
todos diziam, ela até se convencia, como era uma dona de sorte, já que nunca
pudera ter seu próprio automativo.
A maquiagem que
usava para poder esconder seus bigodes chineses, rugas e outras coisinhas,
pesava muito em seu rosto, principalmente, quando a luz das filmagens parecia
derrete-la toda. Foram anos e anos assim, uns 6 x 3, no mínimo. Contava ela do
tempo, das nuvens, das trovoadas, das secas, das queimadas para os que a
assistiam, e contava para ela mesma o tempo que ainda precisaria estar lá, naquele
sorriso congelado que alguns atribuíam a botox e outros a drogas psicóticas. Mas
não havia nada disso, não totalmente, porque quando ela ensaiava no seu espelho
retro do banheiro, conseguia antever que por baixo dos lábios, entrando boca
adentro, e apertando sua garganta, o riso saia do seu esôfago já adoentado de
nervoso.
Esse compromisso não
podia faltar. A tensão se dissipava um tanto quando ao entrar na van da empresa
o motorista, Seu Expedito, que parecia ter nascido no mesmo tempo da empresa,
tirava do bolso de sua camisa de sarja um botão de rosa, sempre dizendo - uma
rosa para uma rosa, que ela, ao chegar em casa, guardava entre as páginas de
algum dos seus livros. Outros diziam quando entravam na van, eita, chegou a
famosa bonitona da emissora. E daí ela já ia ensaiando o sorriso que aparecia do
fora, porque no dentro, já havia tomado uma pastilha de magnésio em cada uma
das paradas.
A roupa escolhida
para aquele dia havia sido um scarpin, cujos sapatos eram de corte talhada,
quase um chanelzinho, desses que a pessoa compra quando vai num brechó fora das
terras onde nascera. Ou o contrário, não sabemos ao certo.
Na emissora, ela
pegou o boletim, ainda olhando e pensando que sempre quisera ser uma
comentarista política, mas há 6 x 3 estava ali, lendo sobre as nuvens nas suas
fúrias e nas suas ausências.
Mais 2 anos, mais
2 anos, mais 2 anos... e poderia, quem sabe, cavalgar as nuvens, bem para
longe, ainda que esse longe fosse dobrar apenas 2 quarteirões.
Geralmente o
quadro televisivo que apresentava ficava quase no final do programa. Um dos engraçadinhos
que a entediavam ao chamá-la de dona do tempo, como se ela fosse eterna ou
apenas um relance efêmero, anunciou o resultado da votação da reforma
trabalhista. Ela sorriu como nunca, daqueles sorrisos paralisados, pois sabia
que nem na teoria existiria mais a conta dos 2. Disseram a ela, você brilhou
como nunca, enquanto ela se desarmava do seu tailleur cinza e seu batom nude.
Ao ir ao encontro
da van, percebeu que Seu Expedito não estava ao volante. Pela primeira e, quiçá,
pela última vez, se inclinou para trás, perguntando por Seu Expedito. O rapazote
das relações humanas disse, Seu Expedito foi despedido. Era muito antigo e o
salário já agregava muito valor. A dona do tempo indagou “antigo”? “salário de
motorista que agrega valor”? Ele era gente, enquanto os outros que assim o
decidiram contavam os seus metais.
Ao chegar em casa
foi direto ao escritório guardar o botão de rosa em um dos seus livros. No
primeiro que abriu já haviam 2 botões. Foi tirando um por uma das estantes enquanto
o esôfago gritava molhando tudo ao derredor. O chão ficou revestido de livros,
páginas descoladas, folhas rasgadas, lacrimadas, vomitadas, pisadas, etc.
Curiosamente, nenhum dos botões de rosa, ressecadas pelo tempo daquela que não
se achava dona de nada, haviam se maculado.
Ela conseguiu
coletar todos os botões e colocar numa bela caixa das coisas preciosas, o pouco
de dinheiro de sua vida toda e seu passaporte. O tempo dela e de Seu Expedito
não existia mais, mas foi com aquela caixa que ela partiu, levando seu batom
roxo, shorts e camisetas. Os scarpins também foram destruídos tal como tudo que
não servia mais. Já em terras estrangeiras, percebeu que agora, sim, era dona
do tempo, do seu tempo, cuja mudança parecia ter subtraído da sua vida, do seu
corpo, do seu rosto, esôfago, lábios, garganta a conta de 3 x 6, pois foi isso
que ao trespassar sua pessoa, produziu a sensação de que naquela altura atravessava
nuvens que pareciam um jardim de rosas.
Emerge
um sussurro, como se fosse um zumbido, por trás dos morros, daqueles que nem
cabe ao mar escutar. As claritudes do branco
do riachinho, das lagoas, dos dias que me foram prometidos, eram rã, eram lama.
Tudo era alegoria dos que me prometeram as imagens do infinito, quando tudo era
precipício. Lá não tinha água, não tinha a vista, não tinha flor, era deserto
puro, que exigia de todos os chapéus necessários para se protegerem do sol.
- Vem o
coro e diz – Você será feliz, profetizou.
Esperei
pela grama que plantei durante 200 anos. Ela não enverdou. Não ramou, não falou
línguas outras, empacou igual um carro sem forca, quiçá, força, para subir uma
ladeira. E, eu, apenas ali, na imensidão do que pode tudo, achei que estava
montando o mundo em mim, todo aguado, dizendo quase assim, serei feliz.
- Vem o coro
e diz: como arar um deserto?
Com
um soneto, ela pensou.
- Vem o
coro e diz: rsss e kkkkkk
Das
risadas escutadas, sem dizer adeus a tanta aridez, fez belas imagens e memórias
enevoadas de tudo que acontecera. A medida já não era do gramado, era a de
ontem e a de hoje.
- Vem o
coro e diz: mais uma escrita de si?
Não,
respondeu ela, é sobre meu jardim, cuja cadência toda absoluta, eram garras de
luto, de cólera, dedor, sem espaçamento nenhum, são muitas pedras no jardim e
nem sou um maldito Drummond.
- Vem o
coro e diz: que heresia...
Ela
até tentou sorrir e na tonteria sentiu seu coração miúdo, moído, molestado,
cansado, quase parado.
- Vem o
coro e diz: sabedoria sem paralisia.
Ouviu
e pensou, que coro fudido é esse, que fica a martelar, tentando colher flor,
quando eu só queria uma grama verdejante?
- Vem o
coro e diz: Das dores, você não nos serve mais, com uma exclamação.
Ele
pensou, que porra de sonho estranho, enquanto alongava seu pescoço. Apenas desejando, cá consigo, a precisão de travesseiros novos. Ainda é madrugada e amanhã tenho muito o que
fazer. E, assim, fui lá de novo engolir minhas 13 gotas de Dramin, como a dizer,
ainda tem, 200 minutos e assim serei feliz.
- Vem o
coro e diz: hahahha...como se fosse um rasgo.
Foda-se,
pensou ele, continuando a escovar seus dentes, os que ainda lhe restavam, nem
de música gosto. Quando chegou no trabalho, era o aniversário do seu chefe, o
som estrondava, pois alugaram um karaokê, um depois do outro, afogueados
grunhiram, não nos abandone, cante junto disse aquela cidadela, quando me fiz
coro, rapidamente lembrando do meu sonho e que de todos que ali se presentificaram,
era eu que menos ganhava ou que menos era ouvido. Fiz coro sem vocalizar. E assim,
permaneci, sem dedor nenhum.
- Vem o
coro e diz: Nunca se iluda. Muitas vezes a safira é apenas uma esmeralda que,
sem os 200 minutos da razão que você planta, é um cinza qualquer.
Que
merda, esse coro ainda existe, mesmo que já esteja a-cor-da-do.
Quando nasceu receber o nome Dasanas. Das Dores e Ana
era o nome das avós. Chegou ao mundo, tão miúda e enrugada, berrando aos quatro
cantos do quarto, feito de tapa e tapera, que não queria nascer naquele telhado
em frente ao rio, pois os rios sempre tem mais de duas margens. Que preferia o
mar com sua (i)mansidão ou o açude feito de água doce e barrenta. Do leite, não
gostou, tampouco do caldo de feijão. Gostava era de banana diluída, molinha,
quase machucada. Talvez fosse a herança de Das Dores. Talvez fosse a herança de
Ana, cuja fruta já inscrevia um o-caso. Nasceu, disseram, como um milagre, numa
casa de muitos varões. Mas já nasceu sob o signo da morte, pois caso não
tivesse emergido naquela hora, naquele dia, naquele minuto, talvez a sua
progenitora não tivesse sobrevivido. Estranho, muito estranho, pois ela era boa
de nascedura. O caso era que Dasanas nunca gostou da ideia de parto, partida,
parteira, queria era mesmo era estar parada, pois dos p(s) que aprendeu a
gostar de ouvir e viver na vida era o p de puta. E assim ela o fez, foi ser p
da vida.
Quando moça ainda conheceu Pablo, moço do bigode
fino, da fala macia, da tez dourada, do corpo torneado, dizendo, filha, sai
dessa vida, eu quero te ter, te envolver e seduzir, como na música da Marina.
No p que estava, acreditou nas falas das ou-vidas e foi. Não demorou muito,
voltou a ser p. Aquilo não era vida. Vida e morte, dores e rezas, Dasanas foi
ficando cansada, trincada, Pois se fossemos dizer sem meias Palavras, alquebrada.
Oh, vida. Toda noite, se esvaia um Pouquinho. Contudo, Das Anas não estava
sozinha, dessa vida que se vai, sendo marinada na morte, eram muitas as Anas. P
que p. Como ela, muitas dançaram p(s) que eram, em meia luz, “é tão difícil olhar
o mundo e ver o que ainda existe”. Dasanas morreu, vítima de Covid, uma p
doença, num País p desorganizado. Enquanto a música continuava na velha jukebox, “Eu acho que você nem se
lembra mais”. Só você, feita de dores e bananas. P q P.