terça-feira, 10 de novembro de 2020

dos ossos alquebrados e das vidas engessadas

sem querer denunciar alguma idade qualquer, assistiram num cinema do centro de uma pequena cidade dos interiores deste nosso rincão, carpete encarnado, todo desbotado, que servia de suporte para as cadeiras de madeira, arranhadas, cheias de chicletes e outras coisinhas pregadas embaixo e nos lados do espaldar da frente, que no encanto da luz apagada, eram apenas ondulações próprias da paisagem geral, esfriada, minimamente, pelo som dos enormes ventiladores dependurados no teto, cujo som parecia competir com o rugido do leão que anunciava a pelĩcula , fazendo os corpos rugirem em uníssono de ansiedade. nesse dia em especial,  o anunciado era o indiscreto das janelas, que prometia suspense e mistério. esses filmes eram os mais esperados, talvez porque naquela enorme tela, que era própria nos cinemas dos centros da cidade, prometem uma suspensão do ordinário dos dias , dos moleques que fugiam da rotina de suas escolas e tentavam insistentemente entrar em filmes cuja idade não lhes eram permitidos, dos trabalhadores que da labuta diária dos seus dias, aproveitavam o escuro do ambiente para um cochilo entre uma cena e outra, das moçoilas e rapazotes que no suspense que o som ia vindo, iam indo mais de encontro um ao outro, daquela senhora que na sua solidão procura um tico de solitude. talvez esse fosse o caso dessa narradora, que nem sei quem ẽ. o caso tão misterioso mostrava um personagem confinado a uma cadeira de rodas que do seu apartamento começa a xeretar os vizinhos através de suas janelas abertas, em seus prédios altos, na tentativa de se refrescarem. entre várias peripécias, a presença da morte e seus mistérios. aquela que buscava solitude, não se impressionou muito pela trama de assassinos e assassinatos. foi embora, com restos de pipoca e jujuba para serem o pequeno prazer antes de deitar seu corpo, para sua casa, que era térrea. nao morava num espaço que lhe permitisse assistir aos outros. dormiu com a jujuba e a pipoca espalhadas por entre os lençóis e a camisola. sonhando que morava num apartamento como o do fotógrafo. sonhou também, que sua arte não era apenas esperar suas rosas crescerem e cuidar dos afazeres de casa, registrando por lentes poderosas o pouco tão pouco olhado em seus detalhes de um cotidiano que era vivido como um eterno looping. quando acordou, alvoroçada, escorregou, não sabe exatamente em que, se na jujuba, se na pipoca, se no próprio sonho, e se viu vivendo mais um pouco da história do fotógrafo curioso. quebrou as duas pernas. a amigas da igreja a ajudaram. arrumaram uma cadeira de rodas que parecia a mesma do cinema, com suas marcas já anunciadas, e ficou a se maldizer pelo filme assistido, porque os mistérios estão aí e podem explicar o inexplicável, refletia.. curiosamente, descobriu que da altura de sua sentada, na janela que mais parecia uma porta, tal o tamanho da abertura, melhor mesmo era deixar o ar entrar e se deixar ver. os outros personagens do filme que ainda estava em si, começaram a dar ideia de novos hábitos. viúva que era, remexeu nos antigos baús do seu marido, que deus o tenha, o tenha mesmo, porque ela nunca o quis, encontrou uma polaroid que nunca havia manuseado, máquinas não eram pras mulheres, dizia ele. pela memória do filme, buliu no aparelho e começou a clicar o mundo ao seu redor, na altura que a janela e a cadeira de rodas o permitia. seu aparelho de televisão parou de funcionar pela falta de uso, o barulho do jornal que só falava de terras estranhas, nunca mais falou, a panela e o chão da cozinha foram deixadas de lado, a máquina de costura enferrujou, virou cabide, as agulhas de tricô empoeiraram em cima da cabeceira e a senhora descobriu que de tanto clicar na polaroid seus ossos das mãos pareciam doer menos da artrite já muito curtida. e as pernas, poderíamos perguntar, sem interrogação mesmo, porque esse teclado é estrangeiro ou porque não queremos dar tanta importância às pernas que só conheciam o caminho da mercearia da rua, a direção do cinema, os recantos da casa e a estradinha de barro que a levava para a igreja, da qual participava para que não pensassem que ela era uma pessoa estranha, diferente. eram tempos de eleição e os comícios, apenas de homens brancos, engomados, com cheiro de naftalina, falavam em microfone como se narrasse um filme de fantasia. ali ela desenvolveu sua arte de clicar. seus ouvidos ainda funcionavam bem e assim acabou por ser uma exímia escutadora. escutar e fotografar passaram a ser os novos mistérios de sua vida. quatro anos depois, a cadeira de rodas já poderia ter sido entregue a um outro, mas ela virou sua cadeira cativa, tal como aquela que costumava sentar sempre no cinema. ainda da altura de sua visão, descobriu outros aparelhos, tinha até um que capturavam as vozes ditas que não se comprometiam com a escrita. mas sua engenhoca preferida ainda era a velha polaroid. resolveu clicar novamente o burburinho da nova campanha eleitoral. sua memória apitava agitadamente, pois desconfiava já ter ouvido tudo aquilo dito. sua máquina, porém, registrava outras imagens. quem estava nos púlpitos pedindo votos e vomitando promessas já não eram os mesmos homens brancos que pensava ter registrado quatro anos atrás. eles ficavam ao lado, mãos levantados, dedinhos fazendo estranhos desenhos, e quem ficava nos microfones, eram a versão mais nova dos mesmos. eram a prole. isso a incomodou muito. assim, procurou nas páginas amarelas onde poderiam revelar seus cliques e mostrar aos vizinhos esse seu incômodo. incomodada mesmo, não ia mentir, tinha sido sair do conforto da sua cadeira de rodas, que nos dias mais alegres, tentava imitar as muitas. lavagens que ajudava sua mãe junto às suas irmãs, escorregando no chão cheio de bolhas de sabão. assim, partiu, com sua polaroid cuidadosamente guardada na bolsa que há muito tricotara. na loja escolhida, depois de muito vociferar com o técnico, percebeu que dos muitos cliques não havia registro nenhum. o técnico disse, senhora, faltou colocar o filme. nao tenho o que revelar. foi subindo uma indignação interna tão grande dentro dela, como se os anos passados na cadeira de rodas ao clicar o mundo, tivesse sido um grande engodo próprio, pois num tom acima que do lhe era costumeiro, disse ao técnico, como eu nao tenho o filme, foi o filme, foi ele, que me fez fotografar tanto. sentiu que o cinema a tinha enganado e voltou para sua casa, toda pesarosa, preparou um chá quente, sentou na cadeira da mesa, e lá, sem saber qual mistério a acometeu, escorregou e quebrou novamente suas pernas. curiosamente, ela ficou feliz. voltou a sua janela, a sua cadeira de rodas, pediu pelo correio um curso de fotografia, jogou o que sobrara dos restos do baú do seu marido, que deus o tenha mesmo, e o preencheu de filmes para câmera da marca fulgifilm 36 . dessa vez o registro dos homens brancos e suas proles seriam feitas, nem que tivesse que esperar mais anos. nos seus sonhos, Jeff Jefferies continuava a lhe ensinar truques de imagem, sempre a alertando que ali figuraria um arquivo de memória. anos depois, foi a hora do seu enterro, os herdeiros encontram uma casa que já não parecia a que eles frequentavam quando crianças. era baũs e mais baús, cheios de imagens, gestando memórias, cuja fortuna esperada, havia sido gasta em revelações. o espanto de seus herdeiros foi tanta, pois não havia o que receber em espécie, que venderam a casa para um estranho, sem maiores atenções para os baús e seus pertences. um rapaz que fora contratado para limpar a casa encontrou as imagens e se viu numa delas quando ainda era um infante. ao invés de jogar no lixo, decidiu transformar em história. ficou famoso, o tempo já era outro, adquiriu um apartamento no décimo terceiro andar de uma grande cidade brasileira, se especializou em palestras sobre os registros da história, viajou o mundo e por lá ficou, até que  nos escombros de uma invasão imperialista a um país resistente, na paisagem da guerra, escorregou e quebrou suas pernas. voltou ao seus país - era o brasil - e do alto da sua janela, registrou acontecimentos da sua nação. já não havia comícios a serem fotografados, a democracia não aparecia em lente nenhuma. suas pernas estavam quebradas. 


domingo, 26 de janeiro de 2020

Bola 08

esse blog é interditado
pq ele é de morte, ele é escrito por Nihal, como todos nós q nos fomos
totalmente zumbi
sem Zoe ou qualquer outro bicho além,

no furto do futuro,do céu e do mar,
nesses tempos tao sombrios
um beijo, um aconchego, um passado ou futuro qualquer
ta valendo, sem acento e com poucos caracteres