Meu nome é Ema. Ema de Elisa Mariana
e de Alyere. Tenho em mim os nomes das minhas ancestrais todas. Nem queria esse
peso todo. Muito responsa. Sou bem pequena, orelhas magras e costelas também. Quem
me nomeou já me rejeitou. Antes da rejeição, já era cachorra do mundo, resto
ali, resto aqui, era assim que me resolvia. Parece coisa de cachorra mal amado.
Porque em nenhuma hipótese, diria cachorra mal amada. Sou feminista, me fazendo
feminista, mas só tenho cinco meses, pouca leitura, parca informação, e excesso
de falatório. Vi que no zap de uma das minhas mães, houve uma mensagem relâmpago,
tonitruante, dessas que parecem aparecer por si só. Um pequeno jogador, coitado
dele, fino, perna torta, desses que quando entram em campo, só caem. Eu sou
cachorra, dessas de esquina de rua, que de dois em dois dias comia um resto
qualquer. Aliás, de semana em semana, porque bar de ralé não tem capital de
giro, não tem os dias todos, eu só comia final de semana, principalmente, nos
dias de crossfit, porque em Aldeia, lá onde me abandonaram, era evento fim de
semana sim, final de semana não. Me perdoem, não sou eu o caso. O caso é do
pobre menino, chuteira reluzente, cabelo o ó (ainda não tenho pelos para
mensurar), filho menino pai de um menino só, chorei como se chora aqueles que foram
desabonadas igual a mim. Não sei bem o que é a França, tampouco o que é o
francês. Nem me atreveria a ir ali. Vim de Pernambuco à Paraíba. Sou fêmea. Sou
mulher. Das minhas memórias, todas elas, dos dias que nas ruas vivi, tive
promessas de carne a mais, de um abano na rolha que nem sabia o que era,
passagens pra fora sem custo nenhum. Antes de Aly e Elisa, fui. Fui, sassaricada,
pensando numa vida melhor, um pouco de ração, uma coisa qualquer. Me levaram
pra casa, me deixaram um cobertor, uma conta no hotel, um espaço exíguo (nem sabia
desse teor da palavra, acabei de aprender), me excitei com tanta novidade, e
fiquei a esperar o príncipe dos contos de fadas a tornar isso tudo possível. Ele
veio de bucho farto, com a melhor das rações, veio até tonto, como tonto só
ficavam os meus amigos que só comiam de semana a semana, ele veio farto, tonto,
inebriado. Achei que teria um flerte, já tínhamos combinados isso, mas ele não quis.
Ele fez de mim o que os pais, os tios e os
avos fazem com os que sabem. Ele fez de mim o que os maridos, os mais velhos, vocês,
fazem de mim. Ele me tornou carne comida, carne acessível, carne fragilizada. Me
fez mentir, me fez ficar entontecida (como falar num país onde não sei a
língua), me expos (como posso combater a máquina midiática capitalista?).
Ele me bateu, me massacrou, me ESTUPROU,
PORQUE EU DISSE NÃO, EU DISSE NÃO, EU DISSE NÃO, EU DISSE NÃO. Que porra de
mundo é esse que o não é não.
Eu poderia parar aqui. Mas as
minhas orelhas de cachorra de fazem ouvir os mil gemidos. De todas elas, de
todas nós, de tanto tempo. Quando somos tão muitas. Pq isso acontece? Onde estão
vocês, irmãs minhas? Somos tantas e não precisamos estar sozinhas, nem vc q é violentada
pela sua mãe, pelo seu pai, pelo seu filho, uma trindade qualquer.
Eu, Ema, cachorra que sou, estou nas
sociologias. Aprendi um monte, tô trocando meus dentes, a vontade de morder, é
enlouquecedora, mas já aprendi que NÃO É NÃO.
E eu escrevo isso dedo a dedo no
teclado, pois sei que do meu corpo, eu cachorra, carne mulher, só posso chorar.
Mas do dia que chorei, renasci. Não
estou sozinha. Esse é só o final do primeiro tempo. #lute como uma garota. Eu
já sou loba, mas estou aí. Aqui.
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