Já tem uma
primavera que ela se foi. E a primavera ocupou de novo os dias do meu mundo.
Por onde ando, vejo flores, as flores do meu sertão. Meu campo de visão está
como os vestidos de chita que ela usava para me distrair do seu corpo. Ela não
sabia, mas eu adorava a forma como a brisa colava o tecido por entre as pernas
e os seios, delineando, delicadamente, os seus contornos sólidos.
Na primeira
vez que a vi, era uma flor do algodão, como a promessa de um floco de neve em
meio ao trinado do calor sertanejo. Ainda era verão, mas sempre era verão. Ela
andava como se fosse imune à quentura toda que tinha ao nosso redor e em mim.
Ao me ser apresentada, por conhecidos em comum, gelei inteiro por dentro como
se a frescura das serras altas tivesse me consumido. Achava que já era imune e
tinha adaptado minhas vestes a tempos quentes, quando depois das minhas
ex-mulheres, me consumi em fogo, abrasado que estava, ressabiado que vivia,
descrente como o maior dos ateus. Mas seu vestido branco, de tão leve, soerguia
em direção ao céu, como se ela não precisasse ser colhida, pois o vento, meu
aliado, escolheu seu caminho. Nos meus braços, ela se aninhou e despiu minhas
armaduras todas. Foram tempos refrescantes estes. Tempos de luz. Iluminado que
estava, acreditei que não estaria mais sozinho.
E com minha
flor do algodão, passeei por entre meus familiares, amigos e desconhecidos,
desejoso que estava de compartilhar tal beleza. Para todos eles, dizia: é a
flor da minha vida e com ela quero um jardim, quero uma casa, quero plantar
raízes.
Mas o nosso
jardim parecia ter uma vontade própria. As terras cultivadas, em meio às
intempéries do cotidiano, foram desenhando novas paisagens. Tinha dias, que
ainda sentia o frescor do algodão, mas em outros, como as ervas daninhas que
nascem espontaneamente em jardins e tempos (in)suspeitos, indiciavam
tempestades.
Muitas vezes,
enquanto primavera vinha e ia, troquei o solo do jardim, reguei, cultivei
outras sementes, curti novas flores, mandacaru, coroa de frade, bromélia,
crisântemos, violeta, tudo na tentativa de colorir os nossos dias. De sol a
pique, acompanhei com esperança, da varanda de nossa casa, sentado na cadeira
de balanço de palha trançada que havia sido do meu pai, cuja vida inteira amara
a sua Rosa Amélia das Flores, que brotasse daquele solo uma nova safra, mas
sempre antes da abertura dos botões, o tempo murchava.
Murchava a
minha flor do algodão. E agora, sozinho, naquela casa tão grande, que sonhei em
construir o meu jardim para todas as primaveras, já não havia nada, era um solo
seco, nem quente, nem fresco. Apenas uma primavera que se foi.
Ai...ai...aprender a arte da jardinagem cíclica, de flores não perenes quando em algum momento se sonhou em constante primavera!!!
ResponderExcluirEmocionante, traduzir a primavera para alma profunda é para poucas jardineiras.
ResponderExcluirLindo texto, Elisa. Emocionante, mesmo!
ResponderExcluirBjos
Flávia
Querida, obrigada pela beleza do conto...
ResponderExcluirFiquei imaginando esse algodão...
ResponderExcluirBjos
Joelson