domingo, 21 de outubro de 2012

A primavera de minhas flores


Já tem uma primavera que ela se foi. E a primavera ocupou de novo os dias do meu mundo. Por onde ando, vejo flores, as flores do meu sertão. Meu campo de visão está como os vestidos de chita que ela usava para me distrair do seu corpo. Ela não sabia, mas eu adorava a forma como a brisa colava o tecido por entre as pernas e os seios, delineando, delicadamente, os seus contornos sólidos.

Na primeira vez que a vi, era uma flor do algodão, como a promessa de um floco de neve em meio ao trinado do calor sertanejo. Ainda era verão, mas sempre era verão. Ela andava como se fosse imune à quentura toda que tinha ao nosso redor e em mim. Ao me ser apresentada, por conhecidos em comum, gelei inteiro por dentro como se a frescura das serras altas tivesse me consumido. Achava que já era imune e tinha adaptado minhas vestes a tempos quentes, quando depois das minhas ex-mulheres, me consumi em fogo, abrasado que estava, ressabiado que vivia, descrente como o maior dos ateus. Mas seu vestido branco, de tão leve, soerguia em direção ao céu, como se ela não precisasse ser colhida, pois o vento, meu aliado, escolheu seu caminho. Nos meus braços, ela se aninhou e despiu minhas armaduras todas. Foram tempos refrescantes estes. Tempos de luz. Iluminado que estava, acreditei que não estaria mais sozinho.

E com minha flor do algodão, passeei por entre meus familiares, amigos e desconhecidos, desejoso que estava de compartilhar tal beleza. Para todos eles, dizia: é a flor da minha vida e com ela quero um jardim, quero uma casa, quero plantar raízes.


Mas o nosso jardim parecia ter uma vontade própria. As terras cultivadas, em meio às intempéries do cotidiano, foram desenhando novas paisagens. Tinha dias, que ainda sentia o frescor do algodão, mas em outros, como as ervas daninhas que nascem espontaneamente em jardins e tempos (in)suspeitos, indiciavam tempestades.


Muitas vezes, enquanto primavera vinha e ia, troquei o solo do jardim, reguei, cultivei outras sementes, curti novas flores, mandacaru, coroa de frade, bromélia, crisântemos, violeta, tudo na tentativa de colorir os nossos dias. De sol a pique, acompanhei com esperança, da varanda de nossa casa, sentado na cadeira de balanço de palha trançada que havia sido do meu pai, cuja vida inteira amara a sua Rosa Amélia das Flores, que brotasse daquele solo uma nova safra, mas sempre antes da abertura dos botões, o tempo murchava.


Murchava a minha flor do algodão. E agora, sozinho, naquela casa tão grande, que sonhei em construir o meu jardim para todas as primaveras, já não havia nada, era um solo seco, nem quente, nem fresco. Apenas uma primavera que se foi.


5 comentários:

  1. Ai...ai...aprender a arte da jardinagem cíclica, de flores não perenes quando em algum momento se sonhou em constante primavera!!!

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  2. Emocionante, traduzir a primavera para alma profunda é para poucas jardineiras.

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  3. Lindo texto, Elisa. Emocionante, mesmo!
    Bjos
    Flávia

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  4. Querida, obrigada pela beleza do conto...

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  5. Fiquei imaginando esse algodão...
    Bjos
    Joelson

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