Foi num intervalo de quatro anos, enquanto tomaram banho às
duas. O seu namorado, moço grande, estava a esperar no terraço que ela fosse ao
seu encontro, para juntos partirem. Já passara da hora do almoço, mas elas nem
haviam comido, apenas se degustavam. Ouviram mais uma vez o chamado do moço
grande. Espere, estou no banho, disse ela. A outra tentava apressá-la, vestindo
um jeans embranquecido, enquanto tentava amaciar os brios daquele que, já
impaciente, esperava, tinha pressa por tê-la. Ao subir, foi içada para baixo do
chuveiro, sentindo seu jeans molhar, à medida que a água pesava, pesava tudo,
era um encharque. Roubada sua roupa, teve seu corpo mais uma vez molhado. Está
bom, dizia agoniada, lembrando, num relance, do moço apressado. Está ótimo, ela
dizia, e, malandra, a beijou inteira, enquanto a água que corria entre as duas
se tornava um véu, cobrindo-as. Eram duas da tarde, quando ela partiu.
A outra, já secada, olhou ao derredor. Travesseiros sem
fronhas, ao chão, restos de castanhas ao lado da cama, CDs fora de suas caixas,
lençóis manchados, copos vazios e um cheiro forte e doce na cama. Sorriu, a
bandida borrifara seu perfume. O mesmo que havia, duas semanas atrás, deixado vestígios
em sua roupa.
Duas semanas depois, o moço impaciente já não existia mais.
Eram apenas as duas. Não conseguiram, depois daquele banho, desligar os
chuveiros. Foram muitos, cálidos, rápidos, ardentes, de lua, com velas, no
escuro, apaixonados, ao som de Bethânia, meio-banhos, fogosos, barulhentos, quatro
mãos rápidas, ansiosas, famintas. Nem sempre usavam toalhas, enquanto molhadas,
pareciam se absorver por entre os lençóis, manchando também as paredes. As duas
continuaram... Assim, foram quatro anos. Nesse ínterim, celebraram dois anos,
ela, já maquiada, tomou uma chuveirada rápida. A outra, assistindo a um
programa na TV, daqueles que só se ouve e não se olha, foi hesitando ao
banheiro. Achou ruim as toalhas já molhadas, as roupas espalhadas na cama, o
sabonete que havia ficado ao chão. Mas também se banhou.
Os banhos, das duas, foram rareando. Já se lembravam da
hora do almoço. Já eram banhos de duas mãos. As velas foram esquecidas,
empoeirou-se a música. A premência, agora, era para estar no trabalho, estar na
feira, estar no banco, estar no médico, estar...
Duas semanas atrás, as duas, quando eram duas horas da
madrugada, foram novamente se banhar. Era um banho de lágrimas, mas foram de
mãos dadas. Ela virou-a de costas para si, abriu o chuveiro, e lavou-lhe os
cabelos. Escorreu pelo ralo, o doce da água, junto com a espuma acre do
shampoo, e o sal que ora escorria pelas faces, ora era engolido antes de cair
ao colo. A luz estava apagada, entrevendo uma réstia que vinha do quarto. Mas
também não precisavam. Eram quatro anos de banho às duas. Mas apenas duas mãos
se moviam, as outras duas estavam inertes, cada uma de um lado do corpo.
Lembraram as duas, sem partilhar, silenciosamente, daquele primeiro banho, do
jeans pesado, dos beijos dados, daquela água que, mesmo fria, não as esfriava.
Uma lembrou com saudade, a outra se despedindo. Era um banho às duas da
madrugada e tampouco houve pressa.
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