Quando irei
me desocupar disso tudo? Tento o tempo todo esquecer. Esforço-me a
esquecê-la e quando me entretenho em meio aos meus livros todos e aos discos
que vou espalhando ao redor da minha cama, um trecho, um refrão, me levam de
novo a você, a nós. Com que permissão invadiu assim a minha vida, se você não
pretendia ocupar-se dela? Eu, por certo, não saberia precisar o momento em que
aconteceu, talvez, tenha sido no dia em que me pediu para desembaraçar os seus
cabelos, tanto que você gostava que todos o tocassem, como se isso não
significasse nada fora do ordinário, pois parecia que, ao fazê-lo, com seu
pescoço debruçado em minhas mãos, numa sensação urgente de prazer, não sei se
minha, se sua, se nossa, seria o sinal de perigo que deveria ter posto a mim
mesma. Pare Felipa, vinham as letras garrafais em minha mente.
Mas éramos
amigas e as amigas se tocam. Apenas não sabia que as minhas mãos tinham uma
vontade própria, que minha razão estava no estômago, que minha alma estava nas
pernas trêmulas. Que as mesmas mãos que delicadamente escovavam seus longos
fios, faziam uma força tremenda para não pesar sobre seu corpo, arrumando-a e
me desarrumando toda, nessa mesma cama que, hoje, fico treinando o esquecimento,
ao escrever. As mesmas mãos que desavisadas, se meteram por entre os seus
cabelos, sentindo sua nuca. Bem que você poderia ter se afastado, ao invés de
reclinar-se sobre mim, retirando a blusa, para que ficasse mais confortável,
como me disse na ocasião. Confortável, para quem? Lembro que pensei, ao mesmo
tempo em que cuidava de penteá-la. Não sei precisar o
momento em que deitamos juntas na cama, em que me vi também despida, esqueço-me
das etapas, mas a lembrança do sentir, essa sim, está em mim, como uma coisa
ruim que preciso enxotar, exorcizando o cheiro da sua pele, o gosto da sua
boca, o deslizar de nós duas, juntas, em meio àquela cama de solteiro.
Mas não é
disso que trata esse texto, essa foi o marco das lembranças, a mais custosa
de expurgar. As outras, também são difíceis de esquecer, difícil esquecer os
momentos de quando me roubou beijos no carro do seu namorado, de quando me
lançou nas paredes do banheiro do restaurante onde costumávamos ir, dos
encontros de fim de tarde, regados a descobertas, descortinamentos e desvarios.
Já são anos de contabilidade dessas lembranças, mas parece que foi ontem, assim
como o dia em que me deixou, em que disse que estava apaixonada por outra, que
não me amava mais. Eu permiti que você destruísse pedaços de mim, que minha
razão voltasse ao lugar que antes lhe era de costume, que minha alma retornasse
ao seu centro, que minha vontade fosse podada e amordaçada. Já faz tanto tempo,
mas nunca me lembro de esquecer, de esquecer o caos, a dor, a saudade, o desejo,
as vontades, os planos todos...
Estabeleci
prazos para o meu esquecimento, mas sempre que me aproximo deles, no meu
esforço de lembrar, os esqueço. Você foi a minha primeira paixão, o meu
primeiro amor, a minha primeira mulher. Não que eu não tenha experimentado
outros corpos, mas procurava em outros, os nossos, embolada que estava nas
minhas lembranças.
Na lembrança
de apagá-la, destruí-la, implodi-la nos braços alheios, mais me remetia aos
contornos seus, as risadas, as confidências, os achaques, os ciúmes, os nossos
gozos, as nossas bocas juntas, de mim, inteira, ao lado seu.
Mas escrevo
para esquecê-la e lembro-me o tempo todo de fazê-lo, ainda na mesma cama de solteiro, sendo que, dessa vez, senhora das minhas letras garrafais: JÁ NÃO ESTOU EM CACOS, JÁ SEI SORRIR QUANDO A
VEJO EM COMPANHIAS OUTRAS, JÁ LEMBRO QUE NÃO A AMO MAIS, APENAS ESQUEÇO-ME DE
QUERÊ-LA TANTO...
QUE MERDA!
MALDITAS RETICÊNCIAS...
Ps. Havia esquecido esse texto nos arquivos que lembrei de apagar.
Ps. Havia esquecido esse texto nos arquivos que lembrei de apagar.
Preciso lembrar de esquecer... isso é muito difícil, talvez seja o fato de ainda não ter entendido que não o amo mais e por acomodar-me a seu carinho ainda lembro-me que não quero esquecer.
ResponderExcluirValdenia Felix
"Já faz tanto tempo, mas nunca me lembro de esquecer, de esquecer o caos, a dor, a saudade, o desejo, as vontades, os planos todos... "
ResponderExcluirMe vi nesse texto!
É um texto que fala de lembranças de sensualidade e não apela para a vulgarização. Um texto belo que exprime coisas íntimas do ser humano.
ResponderExcluirBelo texto, você devia juntá-los, os esquecidos por aí, e publica-los.Mas, diga-me bem baixinho:inspirou-se em alguém?
ResponderExcluirAmei. A partir de hoje sua mais nova leitora viciada. rs..
ResponderExcluirMas as músicas carimbadas com o seu rosto, alguns trejeitos que sem perceber, também assimilei, esses perdurarão, mesmo quando a memória já tiver ido embora.São as fendas do coração. Nada a fazer.
ResponderExcluirÁcido e ocioso. Ondulante e muito, mas muito asfixiado. Desejos não expurgados, Elisa M?
ResponderExcluirFascinante!
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