Já
se esquecera das vezes que procurava ouvir. E não tocava. Vasculhou o velho
cemitério dos elétricos ultrapassados e encontrou seu antigo Nokia. Trocou o
chip. Só podia ser aquela geringonça nova que não sabia usar.
Com
o branquinho de lanterna aceso, fiquei a esperar seu toque polifônico. Nada.
Ainda é cedo, olhando o relógio. Mas Ele já teria arrumado tempo para dar uma
escapulida e ligar. Hum, bobagem. Vou ao computador, bulo nos arquivos,
esqueço. Procuro organizar o armário, mas as roupas já estão meticulosamente
arrumadas pelo formato e cor.
Folheio
revistas, folheio livros, folheio a memória. Nada. Meu Deus já passa das cinco
da tarde e nem mesmo comi, me lavei, saí para ver o mar. Deito. Ligo para uma
amiga, mas não posso me demorar, Ele ainda pode ligar.
Trimmmm....
Desligo rapidamente o celular e encerro o tricô com a amiga, pulando da cama, era Pedro. Gostava de Pedro,
mas não era sua voz que queria ouvir. Desligo, um tanto grosseiramente. Sinto
mais peso. Assim não é justo.
Tic tac, tic tac, tic tac... O
relógio soa no meu corpo. Não suporto mais. Tudo por causa dela, é só ela
chegar e Ele me esquece, some com sua voz, com seu dengo, com seu sorriso, some
com sua necessidade de mim. E eu fico tremendo, tremo de solidão, tremo de
saudade, tremo de rancor, solapando todo meu ser. Tonta, não resisto mais. E
ligo, ligo, ligo... Ele não me atende.
Ouço
novamente o som do telefone. É Pedro, mais uma vez, queixoso, amargurado,
pedindo explicações, pedindo a mim, ao mesmo tempo em que diz não me querer
mais. Alongo-me um pouco, desta vez. Procuro não ser a mesma que Ele, quando me
ignora. Mas é Ele que desejo, que sempre quis, que já tive. Em Pedro, panos
quentes, falo do meu carinho e do meu desejo, mas enquanto falo, penso Nele
que ainda não me ligou, Nele que ignorou meu chamado, Nele que eu amo. Pedro me
quer por inteira, Ele não me quer assim. Pedro pede para ir ao meu apartamento,
digo que estou indisposta, com trabalho, arrumando a casa, digo muito. Pedro insiste
furioso, porém, desolado. Mas como
aceitar o chamado de Pedro, se ainda ressoava as palavras que ouvira ontem.
Ontem,
quando saí do carro Dele ouvi as mais belas palavras. Que ia sentir minha
falta, que o coração doía já de saudade, que me amava, que eu era seu doce, que
não queria que ela viesse, mas não soube como declinar. Bebi vorazes as
palavras, mas palavras são palavras. Quero, perto de mim, Aquele que anuncia a
doçura do mundo. Quero ao meu lado, na cama, na cozinha, no carro, no meu
corpo.
A
fome me ronda. Os vizinhos começam de novo a brigar. Acusações, ciúmes, tapas.
Fecho as janelas. Acabrunho-me nos meus lençóis. E finalmente Ele liga. O som
era de quem estava no banheiro, sua voz ressoava nos azulejos. Disse estar num
restaurante com ela. E eu aqui esperando um convite. Perguntou se já havia me
alimentado, se desejava um delivery, qualquer serviço de entrega. Puta que
pariu, disse. Seu canalha, minha fome é de você. Só agora me liga. Esquece-me
toda vez que ela chega. Estão comemorando o emprego novo? Ela vem morar com
você? Nessa altura, só existe silêncio nos azulejos e minha voz continua,
continua, continua, ora embargada, ora exaltada. Assim não dá, diz Ele, e
desliga.
Olho
aos lados e não vejo nada. É tudo vermelho. Tudo amargo. Desespero-me, me
arrependendo do dito e ainda querendo dizer mais, querendo dizer que nunca mais
me chame de doce, que nunca mais me procure, que suma da minha vida, que, por
favor, volte pra mim, deixe ela, venha aos meus braços, me deixe acarinhar seu
cachos castanhos, sentir seu sorriso pelas mãos, seu peso sob meu corpo. Meu
doce na sua boca.
Choro.
Giro sob mim. Pego todos os aparelhos de telefone e quebro-os no chão. Não me
aquietou. Agora, um silêncio alquebrado. Faço um chá, tomo um calmante e
caminho por todo meu apartamento, ainda com a camisola de ontem.
Mais
calma, me banho, coloco hidratantes nos pés e fico quietinha esperando o efeito
da calmaria, da resignação, do apaziguamento. O interfone toca. Meio tonta,
coração palpitando, vou rapidamente atendê-lo. Era Pedro. Trouxe remédio para
minha dor de cabeça, que ia me ajudar nos trabalhos acumulados, que ia fazer a
faxina no caos do meu apartamento. Era Pedro. Deixe-o entrar, convidei para
dormir ao meu lado, apenas dormir, pois com ele não posso ser inteira, o outro
é minha metade.
Dias
depois, Pedro ainda estava comigo, mas de saída. Fiquei aliviada com o silêncio
que agora me invadiria. Despediu-se ao pôr do sol e ao sair do prédio, viu em
frente um sedã cinza, com alguém a olhar para a sacada do primeiro andar, o
celular sob o ouvido, discando insistentemente, mas ainda calado. Pedro entrou
em seu carro, sorriu feliz, e foi-se, lembrando que na sua faxina, havia jogado
fora os restos dos aparelhos telefônicos.
Senti o sussurro de cada palavra dita e das imagens que ecoavam em minha mente. Brutas palavras, derradeiras imagens. Reconheço-as no não dito, mas que faz meu corpo tremer de tanto que as sinto na alma. Este doce amargo veneno. Sei quem bebe e dele bebo também. Você é uma devoradora de almas.
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