Falei
rapidamente com você ao telefone. Anunciei que havia tido um sonho e que esse tinha
sido doce, como um chocolate apimentado ou como uma tequila desaquecida num
gole de cerveja. Quente e refrescante. Porém, você estava ao telefone, guiando
entre afazeres, quando me disse apressadamente: - Escreva seu sonho.
Nunca tive
presteza com as palavras, pois elas me fogem sempre que vou ter a chance de
vê-lo ou ouvi-lo, na sua voz ritmada, pausadamente trêmula, que continuamente
anuncia, com tanta delicada firmeza, gostar da mudez.
Como
tagarelar, então?! E apenas tagarelo,
tagarelo e tagarelo tanto que a ocasião se aproxima do burlesco,
principalmente, quando ao me olhar de volta, seus olhos sorriem, com a
tolerância que, aparentemente, lhe é peculiar.
Como
sempre, me perco em arrodeios. E não falei do meu sweet dream. Nele, estávamos
desnudos e arfantes. E tontos, não sei se das cervejas ingeridas ou se da
estranheza do encontro. Como todo sonho, esse me pareceu surreal, como se
dentro da doçura dele, soubesse que não estávamos dormindo ou tampouco acordados.
Não
houve diálogos, mas essa não era a tal estranheza, pois quando falávamos dos
compostos químicos, da ecologia do mundo, da globalização e do quiproquó dos
dias, o silêncio nunca fora uma problemática. A mudez sempre vinha quando
estávamos flutuando no ar e a paisagem surreal construía esse mundo de
expectativas, em que íamos desfolhando os estágios da consciência (?) ao mesmo
tempo em que, na secura do silêncio, vinha à liquidez dos toques, das
experimentações.
Não sei
se era essa a carta que você espera ler, pois queria apenas lhe falar do doce sonho
que vivi em algumas horas, talvez em instantes, talvez em anos, tão simultâneo
como meus flashbacks, meus desejos e a própria vida, em seu eterno, e
surpreendente, vir a ser.
E nesse
introito todo, minha timidez não me deixa narrá-lo, com os pormenores de uma
escrita afetada, ainda que o viva em secretas reminiscências. Mas...
Que sua
noite, ao descer sobre seu corpo, venha como uma caixinha de sonhos, daquelas
recheadas de doces.
Londres,
agosto de 1983.
Ps.
Either way, I don't wanna
wake up from you.
(Turn the lights on) – Eurythmics.
metáforas da vida, olhares possíveis ao que se viu, pensou, sonhou ou viveu... as cartas, escritas assim, multiplicam os sentidos da existência (e qtos sentidos)!! :D
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