Campinas, a cidade brilhava em meio à parafernália própria dos arranjos
de fim de ano. Os comentários, na padaria onde tomava meu café com leite e comia
o pão quentinho e dourado da chapa, eram da nova decoração no apartamento dos
famosos cantores sertanejos e seus robôs de natal. Eram até bonitos, apesar de
um tanto pedante. Mas a cidade brilhava. Eu nem tanto. Tinha só aquele
brilhinho íntimo, ainda um tanto escondido das amigas em comum, esperançosa que
estava de que na reunião da casa de Mariah, a fosse encontrar. Sei que não a
veria sozinha, sabia que teria que cumprimentar a sua companheira, mas apenas
eu sabia do pisca-pisca que habitava meu corpo. Enquanto caminhava pelas
alamedas de Barão Geraldo, sombreada pelo seu verde, me via sorrindo boba, me via
sorrindo ansiosa. Parecia que constelava comigo mesma.
Das mulheres, amigas das amigas, ela sempre me pareceu a mais bela. Daquelas
que a beleza parece falar diretamente a mim. Por isso, decidi ir. Essa minha
fala secreta, apenas me pertencia. Talvez nem ela mesma escutasse, sempre fui
tão discreta, e nos raros, porque escassos e preciosos, encontros em que pude
vê-la e ouvi-la, ela sempre se ocupava em me apresentar a uma conhecida,
realçando benesses. Parecia que me ver sozinha a incomodava. Eu, delicadamente,
me declinava, como se sozinha me bastasse, mas o que mais me bastava era essa bela
fala secreta que, segura no meu íntimo, me deixava sorrir enquanto ela me
ofertava possibilidades outras.
A noite chegou, mas seu manto escuro demorou a baixar. Era Campinas, e
os dias estavam mais longos e secos. Eu, na minha urgência despretensiosa,
comecei a me preparar. Ritualística como sou, ainda ampliei meu corpo na yoga, o
banhando em seguida, sem deixar de lado meu chá de carqueja, sabia que veriam
vinhos. E sabia que não seriam poucos.
Parti rumo à casa de Mariah. Estava cheia, como de costume, e todas as
amigas ali estavam presentes, as risadas alegres, os beijos afetuosos. Ainda
não a havia visto, mas sentia sua presença, já ensaiando algumas frases.
Avistei ao longe e logo ela se aproximou. Chamou-me de gostosa ao pé do
ouvido, depois de algumas taças, também cantei ao seu. E ficamos assim, entre
as rodas e os círculos todos, a nos esbarrar. Ela já não me prometeu companhias
alheias. Era ela, talvez, sempre tenha sido.
Os borbulhantes estouraram com os abraços todos de feliz ano novo. Com
mais alguns brindes, fui embora. Talvez ela tenha ficado, não só com sua
companheira, mas também comigo, porque no dia seguinte, ela me mandou dizer:
Fique, não vá. Eu fui, mas ainda estou, estamos em maio, e desde então nunca
mais falei sozinha a minha linguagem secreta. Short cuts.
Nenhum comentário:
Postar um comentário